Ele explicou a decisão em uma
carta publicada no Facebook em 13 de setembro. "Hoje digo basta, hoje
sinto que fracassei." Gatica contou que havia enfrentado "12 dias de
puro estresse, só dando más notícias".
"Estou cansado de ter três
mortes em uma tarde ou cinco em uma noite e saber que nunca há um leito na
UTI", escreveu. "Quantas vezes eu dormi de pé, ainda usando o EPI
[equipamento de proteção individual], depois de atender 32, 40 ou 64
pacientes."
Gatica, residente em medicina da
família e funcionário num hospital há três anos, disse em entrevista ao jornal
Perfil que a agressão que ele sofreu "foi um dos momentos mais tristes da
carreira".
Ele contou que estava do lado de
fora do hospital dando notícias de um paciente a seus familiares quando
parentes de outro foram informados que ele havia morrido.
"Dois indivíduos
desajustados começaram a jogar pedras onde eu estava. Uma passou a alguns
centímetros do meu rosto e quebrou um vidro. Outra caiu no meu pé. Só não
aconteceu algo pior graças aos familiares dos outros pacientes que me
protegeram e contiveram os dois imprestáveis."
Em sua carta, Gatica questionou o
comportamento da sociedade argentina na pandemia e a chamou de "hipócrita
e injusta". "Quando era necessário se cuidar, tudo era diversão, e
hoje eles choram os mortos e exigem atenção. Essa pandemia despertou o pior de
todos."
Mas ele também cobra as
autoridades de saúde. "Eles sabem que somos 21 médicos, dos quais 4 são
residentes e que hoje são 7 trabalhando porque o resto adoeceu?"
"Hoje me senti abandonado
pelo sistema e, principalmente, pelo hospital", diz. "Onde estão o
investimento na saúde, os aplausos e os heróis? Por que meus colegas, amigos e
companheiros não recebem desde junho?"
Reação
A carta de Gatica teve ampla
repercussão na mídia argentina e levou as autoridades nacionais a enviarem mais
socorros ao hospital.
Em conversa com a BBC News Mundo,
serviço em espanhol da BBC, o médico disse que esta ajuda já permitiu reduzir a
taxa de ocupação do hospital de mais de 100% para 65%.
"Eles abriram cerca de 40
leitos com oxigênio, o que amenizou muito a situação. É em uma escola em frente
ao hospital, que fazia parte do plano de contingência, mas faltavam
recursos", disse.
Após a carta, "da noite para
o dia chegou o oxigênio, os leitos foram criados, e tudo o que tinha que
aparecer apareceu".
Gatica revelou ainda que, depois
de receber um telefonema do governador de Salta e do secretário de Saúde da
província, desistiu de se demitir e continua a trabalhar no hospital.
Também disse que, no hospital de
Orán, cidade no interior da Argentina onde ele mora e trabalha, o oxigênio era
um "luxo" há mais de um mês e que estava "cansado de ter que
escolher para quem dar um leito ou um tubo de oxigênio semivazio".
"Tudo para quê? Receber
isso... Um ataque físico", afirmou, referindo-se às pessoas que lançaram
pedras contra ele ao saber da morte de um ente querido. "Não aguento
mais."
Cidades do interior estão
sobrecarregadas
A publicação do médico chamou a
atenção do país para a dramática situação no hospital San Vicente de Paul, que
não só atende os 85 mil habitantes de Orán, mas dezenas de milhares de pessoas
que moram nas cidades vizinhas.
A falta de leitos, medicamentos,
oxigênio e profissionais de saúde fez com que o índice de mortalidade ali
chegasse a 10% dos pacientes infectados, enquanto nacionalmente a taxa é de
2,1%.
Orán é a segunda cidade mais
populosa da província de Salta, ao norte do país, na fronteira com a Bolívia.
Assim como outras cidades do
interior, ela ficou sobrecarregada quando o novo coronavírus começou a se
espalhar fora de Buenos Aires. A capital argentina chegou a concentrar mais de
90% dos casos e, agora, está perto de 50%.
Apesar de a Argentina ter sido um
dos países que melhor conteve a expansão do coronavírus, graças a uma
quarentena rígida imposta assim que a pandemia chegou, em março, a situação
mudou drasticamente em poucas semanas.
No último mês, tanto as infecções
quanto as mortes por Covid-19 dobraram e, com mais de 690 mil casos, hoje o
país é o nono no mundo com mais infectados e o 14º com mais mortes (pouco mais
de 15 mil).
O aumento de casos e mortes na
Argentina é reflexo do esgotamento e relaxamento de muitos cidadãos com a
quarentena mais longa do mundo (que continua em vigor depois de seis meses).
O jovem residente afirma
acreditar que o impacto de sua carta se deveu ao fato de refletir o que muitos
outros médicos de seu país vivenciam.
Longe dos aplausos que esse
profissionais recebem em outras partes do mundo, na Argentina muitos
especialistas em saúde sofreram ferimentos e até agressões. E não apenas dentro
do hospital.
A mídia local cobriu histórias de
médicos e enfermeiras que foram discriminados em seus próprios prédios e
bairros, e houve até alguns casos de profissionais de saúde agredidos ou que
tiveram suas casas incendiadas por medo de contágio.
"Deixamos de ser os
heróis", diz Gatica. "Somos nós que erramos, que deixamos as pessoas
morrerem. Sempre percebemos aquele olhar de indiferença e questionamento."
Sua descrição do que estava
acontecendo no hospital de Orán também ecoou as experiências de outras cidades
do interior que hoje também estão sobrecarregadas pelo coronavírus.
Questionado se a longa quarentena
imposta pelo governo foi uma estratégia eficaz para impedir a propagação do
vírus, ele diz que "foi o melhor que podíamos fazer na época".
"Para melhor ou para pior, já foi feito", reflete.
"Mas temia
que acontecesse o que está acontecendo: que a gente ficasse cansado no meio do
jogo e levasse uma goleada. Porque, pelo menos no interior do país, a pandemia
está apenas começando." Folhapress
(Da Redação - Blog do Nilson Macedo) Whatsapp (87) 9.9939-2144 – e-mail radionoticia@yahoo.com.br
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